06 outubro 2008

Contradição ou dupla face

Uma mulher viúva que tem um filho menor. Essa mulher trabalha numa Instituição Particular de solidariedade social, auferindo um salário mensal no valor de 483 euros.
Foi este o caso que a RTP decidiu trazer a público no dia 1.10.2008 para o programa “Grande Reportagem” a propósito das dificuldades financeiras sentidas por essa família. Ao que nos foi dito no dia seguinte pela mesma estação de televisão esse caso terá chocado a opinião pública, de tal forma e com tal intensidade ética que nesse mesmo dia terão chegado imensas ofertas, desde roupas e alimentos, até uma casa para passar férias.
Quanto ao facto de a televisão pública ter escolhido a apresentação deste caso para um programa que passa depois da hora de jantar, surpreende, mas não espanta. Surpreende, sobretudo, porque nesse dia, como nos anteriores, o grande tema de debate e de discussão pública e política foi a crise nos mercados financeiros. Simples coincidência…
O que não é coincidência, pela contradição que evidencia é, com certeza, o facto dessa mulher trabalhar numa Instituição de Solidariedade Social e ter sido necessário um programa de televisão para que finalmente sentisse alguma solidariedade. Devo pois colocar a possibilidade de que o nível de pobreza em Portugal (e, portanto, o número dos que precisam da solidariedade nacional, pública ou privada), é muito pior do que o que nos dizem os dados estatísticos que diariamente nos chegam. Coloco esta hipótese no pressuposto de que a instituição de solidariedade social onde trabalha essa mulher pratica a solidariedade com sentido de justiça e que, por via disso, não reparou nas dificuldades por que estava a passar a sua funcionária, já que tinha situações bem mais graves para acudir.
Ou então esta hipótese é completamente falsa, porque a verdade é que, ao que parece, nas sociedades contemporâneas a solidariedade não é para dirigir aos que nos estão próximos, mas sim aos que nos são distantes, aos que não se conhecem. Talvez por isso o caso agora tornado público tenha tido tantas manifestações de solidariedade.

Sem comentários: