31 janeiro 2009

O divórcio e a pobreza

Confesso que foi com um arrepio na espinha que ouvi as declarações de ontem do Senhor Presidente da República. Convidado para o congresso da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade social (CNIS), que decorreu este fim de semana em Fátima, o Presidente de República declarou que existe uma relação de tipo causal entre divórcio e pobreza. Como um arrepio na espinha não se sente todos os dias..., tentei perceber por que tinha eu tido tal sensação. Para além de muitas outras razões que a minha razão há-de descobrir, encontro por agora duas: tendo andado muito calado relativamente ao caso de que todo o país fala, ou seja, o caso Freeport, o Presidente da Republica, mais uma vez, não se quis comprometer com tal mesquinhez até porque isso não lhe diz respeito, e muito menos é assunto que possa ser tratado num sítio daqueles, na cidade de Fátima; pressionado pela comunicação social e numa atitude de oportunismo politico, para não dizer de pura e singela vingança, o Presidente da República preferiu lembrar que vetou uma vez a lei do divórcio, mas que apesar disso essa lei foi aprovada. Daqui infere Sua Excelência que dessa decisão parlamentar resulta mais pobreza. Quem pense que a pobreza resulta das condições económicas e da miséria em que este capitalismo, que durante muitas décadas funcionou em roda livre, nos colocou, desengane-se. Até porque Sua excelência, o Professor Doutor Cavaco Silva, nunca se engana e raramente tem dúvidas (cito de memória o que ele disse há cerca de quinze anos quando era Primeiro Ministro); enfim, neste momento da nossa vida colectiva em que as nuvens se adensam e os aguaceiros já chegaram tive medo da tempestade, tal é a pobreza das ideias e de princípios ético-políticos e, sobretudo, a falta de clareza e de transparência que marca a vida política no nosso país.

27 janeiro 2009

Tempos de crise?

Deixamos aqui 2 links para o SlideShare. Achamos que valem a pena. Vejam as mordomias, as regalias de José Sá Fernandes na Câmara Municipal de Lisboa e as de Ana Fernandes na EDP (ANA Fernandes, para que se saiba, é a CEO da EDP Renováveis). Vejam e choquem-se.

25 janeiro 2009

A miséria da vida política

O recurso à expressão "miséria" tem sido recorrente nos escritos sobre o comportamento humano. Utilizo-a agora para caracterizar a vida política e particularmente a que se vai fazendo no nosso país. Na verdade, a actividade política em Portugal tem sido, sobretudo nos últimos anos, marcada pela intriga, pelo ajuste de contas entre os protagonistas de jogos e, quem sabe, de comportamentos menos claros e pouco transparentes mutuamente consentidos, que em nada dignificam os seus autores e, mais do que isso, levam o comum dos cidadãos a não acreditar nos políticos nem na política.Não sei se é justamente isso o que pretendem aqueles que fazem este tipo de política, o que seria, no mínimo, absurdo, já que seria a política feita em circuito fechado com um receptor exterior que cada vez fica mais surdo pelo excesso de ruído. Seria bom, digo eu, não apenas para a saúde e vitalidade da Democracia, que a política deixasse de estar centrada nos seus protagonistas, os políticos, e passasse a tratar dos temas que interessam à maioria dos cidadãos, o que nas circunstâncias actuais não é difícil prever quais sejam: crise económica; desemprego; pobreza, incluindo a de natureza económica; etc. Mas, afinal, reparo que a política palaciana, aquela que discute tudo menos os problemas e interesses do país e dos Portugueses, é uma velha tradição na nossa vida colectiva como tão bem o demonstram os trabalhos de vários escritores e pensadores políticos Portugueses, entre os quais Eça de Queiroz - que vale sempre a pena reler - pois infelizmente o que disse da vida política que por aqui se fazia no século XIX mantém-se actual no século XXI. Como se vê, pelo menos no reino da política e na governação que dela resulta e que todos vamos, mais ou menos conformados, aceitando, o mundo não pula e nem sequer avança.

14 janeiro 2009

Conselhos de casamento

Hoje pela manhã ouvi uma notícia num canal de televisão que me deixou deveras surpreendido. Dizia essa notícia que o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, ontem, no casino da Figueira da Foz, aconselhou as jovens Portuguesas a não casarem com muçulmanos. O argumento utilizado foi que os muçulmanos eram por natureza pessoas imprevisíveis e muito pouco flexíveis, que não eram pessoas de confiança. Eu, que até considero que o Cardeal Patriarca de Lisboa ao longo dos anos sempre demonstrou sensatez e razoabilidade nas posições que foi tomando acerca de vários assuntos muito delicados da sociedade Portuguesa e das sociedades contemporâneas, não posso deixar de classificar de aberrantes, injustas e inoportunas as declarações ontem proferidas por aquele mais alto responsável da igreja católica em Portugal. Na verdade, para além de revelarem um fundo que tem alimentado ao longo dos séculos atitudes e comportamentos racistas, na sua versão mais primária e condenável, essas declarações são também inoportunas e até irresponsáveis tendo em conta, além de tudo o mais, o conflito que ocorre actualmente na faixa de Gaza. A um responsável da igreja pede-se mais contenção e serenidade nas declarações públicas, mesmo quando são feitas num casino.

12 janeiro 2009

Perguntas Em Contraluz - VI

Que sentido faz, num país de gente remediada e pouco qualificada, de competências médias apenas sofríveis, a apologia do discurso da excelência? Por que razão os nossos governantes, empresários e universitários se maravilham com este discurso? Não perceberão que não se passa da mediania à excelência com passes de mágica? Não verão que o seu ar basbaque a pronunciar a palavra "excelência" é o espelho da sua generalizada mediocridade?

06 janeiro 2009

Recessão técnica

Como seria de esperar, Portugal entrou em recessão. Para já apenas técnica, depois se verá.
O que é interessante é comparar este facto - que o cidadão comum já antevia, ou melhor, sentia na pele - com os recentes discursos irrealistas - disfarçados de optimismo - de José Sócrates. Com efeito, ainda há poucos dias dizia o seguinte: «Em todos estes anos, sempre pude dizer que o ano que começa agora foi melhor que o ano anterior. Foi assim em 2005, foi assim em 2006 e tenho todos os motivos para vos dizer que o ano de 2008 será ainda melhor que o de 2007».
Continuo a ter esta dificuldade tremenda em compreender como é que pessoas que ocupam cargos de responsabilidade neste país dizem as coisas mais disparatadas e reveladoras da maior ignorância sem caírem, nem sequer estremecerem.
A responsabilidade é deles próprios, evidentemente, mas nossa também.


02 janeiro 2009

Crise, mas que crise?

A palavra que mais ouvimos pronunciar nos últimos meses na boca dos políticos e também nas páginas dos jornais e nos ecrãs das nossas televisões é a palavra crise. Tenha-se presente os discursos dos nossos mais altos representantes da Nação (Presidente da República e Primeiro Ministro) por altura do último Natal e do Primeiro ano novo...? É claro que esta palavra não foi agora inventada, tentando traduzir uma nova realidade antes desconhecida. Ela é antiga e mesmo milenária e expressa contextos e realidades idênticas. O que talvez seja novidade é o seu uso na actualidade e particularmente na situação actual. Na verdade, se etimologicamente ela pode ser traduzida e percebida como oportunidade de mudança de práticas que, num determinado contexto, se revelaram incapazes de mobilizar e satisfazer a vontade colectiva, a palavra crise parece estar hoje a ser utilizada como estratégia de promoção do medo (que, como é sabido, é a mais clássica das técnicas de dominação) quer pelos que repetidamente a pronunciam e proclamam, quer por aqueles que ansiosamente a escutam. Mesmo assim, muitos destes últimos às vezes soltam um desabafo que é deveras interessante e muito significativo: “crise só se for para eles, para os que têm muito dinheiro, eu por mim sempre vivi em crise e não morri. Logo se há-de ver.”

01 janeiro 2009

Ano novo, vida velha?

Como cidadão interessado e atento à vida social e politica do país ouvi a Mensagem de Ano Novo do Presidente da República. Ouvi mas sem grande expectativa, devo dizer, pois já percebi que as ditas comunicações ao país nestas datas festivas (como noutras, de resto) dos responsáveis políticos servem além do mais para corrigir estratégias que só eles sabem e entendem e também para acertar contas entre eles, contas que o cidadão comum desconhece, mas que talvez pague. Se ainda tinha alguma irritação na minha consciência por assim pensar fiquei mais tranquilo, já que não quero pertencer ao grupo dos que passam a vida a mal dizer dos políticos e da politica ainda que a maioria desses viva da má politica que por aqui se vai fazendo. Explico-me: 2009 será um ano que vai trazer muitas dificuldades a muitas pessoas que, por certo, ficarão fortemente condicionadas na manutenção do seu estilo de vida e de consumo, coisa que é tanto mais grave, quer do ponto de vista pessoal, quer social, quanto é verdade que a promessa que há muitas décadas lhes fizeram foi de Ascenção crescente. É caso para dizer que nos prometeram o paraíso e agora anunciam-nos o inferno. Ou, dito de outra forma, e por analogia ao que disse Hannah Arendt sobre a sociedade do trabalho, ou seja, que estamos numa sociedade de trabalhadores sem trabalho, poder-se-ia agora dizer que estamos numa sociedade de consumidores sem consumo ou, mais geral e profundamente, numa sociedade capitalista sem capitalismo. Nestas condições é possível esperar o aumento da conflitualidade social e até da convulsão social que pode ser incontrolável. É possível também que o poder político se sinta atraído, como tantas vezes acontece, por medidas mais ou menos fáceis que só servem para enganar o otário, em vez de tomar decisões que alterem as regras do jogo que nos têm governado nas últimas décadas e mesmo séculos.
Lembro, entretanto, que estas considerações vêm a propósito do discurso de ano novo do senhor Presidente da República. O que disse, então, o Senhor Presidente? Disse que os Portugueses devem esperar dias difíceis, mas que era solidário com eles. Não tenho a certeza se disse que também era solidário com as dificuldades... Disse também que os Portugueses devem ter esperança e que devem pensar que são os melhores e que, por via disso, vão ser capazes de ultrapassar as dificuldades. Disse ainda e sobretudo que sobre as dificuldades que aí vinham já tinha chamado a atenção há muito tempo. Enfim, para que não digam que ele não disse, disse também que esta crise talvez não se resolva no decorrer do ano de 2009, mas que pode durar mais algum tempo e que é sobretudo com os jovens, com os velhos, com as mães, com os pais, com os agricultores e com outros grupos e espécies existentes em Portugal que está severamente preocupado. O que não disse foi que já na mensagem de natal o senhor Primeiro Ministro (sim, porque ele é o primeiro e só depois vem o segundo...) disse mais ou menos o mesmo, descontado o estilo e as palavras que só o senhor Presidente da República terá entendido.
Enfim, o que o senhor Presidente da República não disse nem sequer sugeriu foi uma única ideia para ultrapassar os problemas com que os Portugueses se confrontam já hoje e que se poderão agravar no próximo ano e nos seguintes. E não o fez porque não quis, não sabe ou, então, não lhe dá jeito. Enfim, aos Portugueses resta ter uma participação activa na vida social e política por forma a que as regras do jogo sejam alteradas, até porque 2009 também a esse propósito vai ser cheio de oportunidades.