24 dezembro 2008

Casa Pia: novos acontecimentos, antigas lembranças

Manda a prudência que não se deve ajuizar sobre aquilo que não se conhece na plenitude dos factos. Mas também manda o bom senso e o respeito pela opinião pública que esses factos sejam revelados, tornados públicos, a tempo de se poder ajuizar sobre as circunstâncias em que ocorreram. Quando esta última condição não é cumprida, todas as opiniões são possíveis e mesmo respeitáveis, ainda que rapidamente sejam desqualificadas como demagógicas e rapidamente esquecidas. Parece-me, aliás, que é este procedimento fortemente enraizado em Portugal que José Gil tão bem analisa no ensaio “Portugal, Hoje- o medo de existir” no qual o autor defende a ideia segundo a qual Portugal pode ser lido na sua história e na actualidade como o espaço da não inscrição.
É certo que estas considerações podem ser de bom uso para a análise de múltiplos acontecimentos da história recente do nosso país. Por ora, vou utilizá-las para fazer um breve comentário sobre os últimos episódios ocorridos na Casa Pia. Sem grandes considerações prévias, recordo que no passado dia 12 de Dezembrofoi morto um jovem aluno do colégio Pina Manique. Ao que se sabe, morreu em consequência de agressões várias provocadas por um grupo de outros jovens que entraram no espaço de recreio daquele estabelecimento de ensino. Este acontecimento, para além de trágico, não mereceria grandes comentários, além de se lembrar que é necessária maior atenção ao crescimento visível da violência grave entre os jovens. O caso, no entanto, é que se passa numa instituição que está sobre uma pressão social extrema desde que veio a público que foram aí praticados muitos crimes de abuso sexual sobre menores, sem que até agora se conheça qualquer decisão da justiça sobre esse caso, seja porque envolve muitos arguidos, seja porque alguns deles pertencem às ditas elites profissionais e políticas. Por esta razão (e muitas outras haveria) esperei eu que a morte desse jovem pudesse ter tido outra atenção e, direi mesmo, outro respeito, quer dos media, quer do poder político. De facto, o que li e ouvi foram comentários e argumentos já estafados sobre “o caso da Casa Pia”. Ouvi também uma notícia que me deixou particularmente perplexo e, porque não dizê-lo, algo irritado: A notícia revelava que a Senhora Provedora mandou com toda a prontidão pôr em funcionamento um serviço de apoio psicológico, quer à família da vítima, quer aos alunos da instituição. É caso para perguntar, eu que sei pouco, se a Senhora Provedora não deveria ter dito o que se passou naquela tarde na instituição, como foi possível que uma agressão daquela gravidade tivesse acontecido? O mínimo que se podia esperar, aliás, era que a Senhora Provedora anunciasse medidas para prevenir a repetição de idênticos acontecimentos naquela instituição. O anúncio de apoio psicológico passou a ser moda em Portugal, como de resto noutros países, desde logo nos Estados Unidos da América, sempre que, em caso de catástrofe ou de acontecimentos de embaraço político, não se pode ou não se quer tomar outros tipo de decisões, ou, pior que isso, fazer das vítimas objecto de caridade pública para esconder responsabilidades e responsáveis por tragédias várias.

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