23 setembro 2008

Os vampiros presunçosos

Agora que o sistema financeiro mundial - e estado-unidense em particular - revela a sua enorme fragilidade, o governo dos Estados Unidos pretende emitir uma dívida pública no valor de 700 mil milhões de dólares para eliminar as dívidas de Wall Street, dispersando-as por todos os contribuintes. Robert Reich, antigo Ministro do Trabalho da administração Clinton, estima que cada família dos Estados Unidos venha a contribuir com 2000 a 5000 dólares para financiar esta medida de salvamento de Wall Street.
A situação actual demonstra assim claramente que não faz qualquer sentido a posição daqueles que afirmam "Menos Estado é melhor Estado" e que tudo (ou quase) está, "naturalmente" e sem necessidade de demonstração empírica, melhor nas mãos dos privados do que nas do sector público. Veja-se como esses vêm agora, de calças na mão mas sem pudor nem actos de contrição, pedir o colo do Estado. E sabemos bem o que se seguirá: o Estado dá-lhes o que pretendem e, mal se recomponham, riem-se e continuam, ufanos e presunçosos, sentados a brincar nas pilhas de dinheiro que não lhes pertencem.
Quando se instala um sistema em que os benefícios vão para o sector privado e os custos recaem sobre o sector público, o privado apresenta-se como um local glorioso. O problema é que o rei vai nú e precisa do Estado para tapar, pelo menos, as partes imundas.
No entanto, como defende Reich, provavelmente não há mesmo outra solução para evitar uma queda ainda mais longa e dolorosa. O que é fundamental é aproveitar esta oportunidade para introduzir mecanismos de equilíbrio e justiça no sistema. Num sistema que, recorde-se, presumivelmente assentava numa confiança que bancos e seguradoras demonstraram não merecer. Quando falava numa mão invisível, Adam Smith seguramente não tinha em mente as mentiras do capitalismo de casino.
Aproveitar esta oportunidade significa negociar condições vantajosas para os cidadãos, para os contribuintes, e não simplesmente dar sem receber nada em troca. Significa, por exemplo:
a) limitar fortemente a disponibilização de produtos financeiros de carácter eminentemente especulativo, desligados do mundo económico e produtivo. Essa função deve ser essencialmente ocupada pelos jogos de sorte;
b) introduzir hierarquias salariais que, em primeiro lugar, não sejam imorais e, em segundo lugar, reflictam adequadamente a competência do trabalho realizado. Veja-se, por exemplo, que o valor dos bónus pagos ou a pagar pelo Lehman Brothers durante o ano de 2008 é já superior ao valor do próprio banco!;
c) encontrar mecanismos de recompensar os cidadãos e o próprio Estado pela sua contribuição para o salvamento do sistema financeiro, designadamente concedendo-lhes posições nas empresas que teriam sido aniquiladas sem a sua intervenção.

Sem comentários: