25 setembro 2008

Um mundo de fantasia

Em primeiro lugar, entendamo-nos: aprecio a forma de organização das sociedades ocidentais contemporâneas. Creio que são aquelas que, ao longo da História humana, melhores condições materiais de vida e mais possibilidades de auto-descoberta têm proporcionado aos indivíduos.
Dito isto, continua a não ser particularmente difícil encontrar nelas paradoxos lamentáveis. Vejam-se, por exemplo, aqueles que são apontados por John Sentamu, Arcebispo de York, e que podemos encontrar na edição de hoje do The Guardian. Desde logo, o facto de num sistema crescentemente especulativo o dinheiro perder relevo enquanto meio para a troca de bens e tornar-se, ele próprio, no bem que é comercializado. Esta confusão, esta perigosa aproximação entre objecto e símbolo cria um mundo hiper-real regido por regras paralelas às do País das Maravilhas da Alice. Só assim se compreende que, como refere Sentamu, os líderes mundiais tenham conseguido reunir numa semana, com o objectivo de salvar o sistema bancário, 140 vezes mais dinheiro do que aquele que seria necessário para retirar da pobreza 6 milhões de crianças.

23 setembro 2008

Os vampiros presunçosos

Agora que o sistema financeiro mundial - e estado-unidense em particular - revela a sua enorme fragilidade, o governo dos Estados Unidos pretende emitir uma dívida pública no valor de 700 mil milhões de dólares para eliminar as dívidas de Wall Street, dispersando-as por todos os contribuintes. Robert Reich, antigo Ministro do Trabalho da administração Clinton, estima que cada família dos Estados Unidos venha a contribuir com 2000 a 5000 dólares para financiar esta medida de salvamento de Wall Street.
A situação actual demonstra assim claramente que não faz qualquer sentido a posição daqueles que afirmam "Menos Estado é melhor Estado" e que tudo (ou quase) está, "naturalmente" e sem necessidade de demonstração empírica, melhor nas mãos dos privados do que nas do sector público. Veja-se como esses vêm agora, de calças na mão mas sem pudor nem actos de contrição, pedir o colo do Estado. E sabemos bem o que se seguirá: o Estado dá-lhes o que pretendem e, mal se recomponham, riem-se e continuam, ufanos e presunçosos, sentados a brincar nas pilhas de dinheiro que não lhes pertencem.
Quando se instala um sistema em que os benefícios vão para o sector privado e os custos recaem sobre o sector público, o privado apresenta-se como um local glorioso. O problema é que o rei vai nú e precisa do Estado para tapar, pelo menos, as partes imundas.
No entanto, como defende Reich, provavelmente não há mesmo outra solução para evitar uma queda ainda mais longa e dolorosa. O que é fundamental é aproveitar esta oportunidade para introduzir mecanismos de equilíbrio e justiça no sistema. Num sistema que, recorde-se, presumivelmente assentava numa confiança que bancos e seguradoras demonstraram não merecer. Quando falava numa mão invisível, Adam Smith seguramente não tinha em mente as mentiras do capitalismo de casino.
Aproveitar esta oportunidade significa negociar condições vantajosas para os cidadãos, para os contribuintes, e não simplesmente dar sem receber nada em troca. Significa, por exemplo:
a) limitar fortemente a disponibilização de produtos financeiros de carácter eminentemente especulativo, desligados do mundo económico e produtivo. Essa função deve ser essencialmente ocupada pelos jogos de sorte;
b) introduzir hierarquias salariais que, em primeiro lugar, não sejam imorais e, em segundo lugar, reflictam adequadamente a competência do trabalho realizado. Veja-se, por exemplo, que o valor dos bónus pagos ou a pagar pelo Lehman Brothers durante o ano de 2008 é já superior ao valor do próprio banco!;
c) encontrar mecanismos de recompensar os cidadãos e o próprio Estado pela sua contribuição para o salvamento do sistema financeiro, designadamente concedendo-lhes posições nas empresas que teriam sido aniquiladas sem a sua intervenção.

A crise anunciada

Não sou especialista em economia e muito menos em questões financeiras. Mesmo assim, parece-me que o que se tem passado nos últimos tempos nos mercados financeiros, com destaque para os EUA, justifica que faça alguns comentários a este respeito. Assim, e em primeiro lugar, devo dizer que a falência de alguns bancos de investimento e de seguradoras parece confirmar aquilo que muitas vozes incomodas tinham vindo a dizer há já alguns anos. Diziam eles que o capitalismo estava a resvalar perigosamente para a anarquia económica, para o designado capitalismo selvagem. Diziam também que os tão apregoados êxitos do "novo capitalismo" mais não eram do que uma onda passageira que se poderia esfumar numa noite de encerramento de qualquer casino à beira da falência por ter dado nesse dia avultados prémios.
Ora, parece-me que os últimos acontecimentos dão, em larga medida, razão a esses críticos que há muitos anos insistem em estragar a festa e a felicidade extasiante dos defensores do "novo capitalismo" até porque este é também popular.
Aliás, quando nos finais da década de 80, princípios da de 90 do último século, na era Reagan-Thatcher se começou a falar de "capitalismo popular" confesso que esta expressão me soou a paradoxal. Mas, eis que agora percebo o que se pretendia dizer ou subentender com tal noção: é que essa nova forma de capitalismo pressupunha que alguns geriam grandes quantidades de dinheiro que muitos amealhavam com magros salários, na esperança tonta de, também eles, serem grandes capitalistas, mas se tal gestão desse para torto teria que ser o povo (através dos impostos) a pagar, já que mesmo que o povo protestasse lá estaria o Estado para fazer grandes injecções de dinheiro para salvar a economia sempre a mesma, pois dizem-nos, só desta forma nos podemos salvar da miséria colectiva.
Esperemos com paciência o que os próximos tempos nos dirão, mas arrisco a prever que agora que baixou a maré é que se vai ver quantos andavam nus na praia.

16 setembro 2008

Apresentação

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