A complexidade de alta intensidade que caracteriza as sociedades contemporâneas coloca dificuldades acrescidas à previsibilidade da conduta humana. Cada vez é mais difícil (se é que alguma vez foi fácil e até mesmo possível) prever as consequências de determinada atitude ou de certo comportamento. É o que usualmente se designa de "efeito concertina" do comportamento dos humanos. A crise económica e social que estamos a viver pode, portanto, ter resultado dos efeitos inesperados e indesejados de uma fase de desenvolvimento do capitalismo marcada pela especulação sem limites e que nessa medida terá traído os próprios especuladores. Mas também pode ter resultado de efeitos inesperados e há vários anos constatados, mas que, entretanto, se tornaram desejados e que rapidamente foram aproveitados e deliberadamente ampliados para repor o equilíbrio do sistema que estava a sofrer demasiado ruído, sobretudo vindo das economias da Ásia e do Brasil, das designadas economias “emergentes”. Esta última hipótese ganha consistência à medida que a crise avança e as notícias parecem confirmar que, afinal, já muita gente sabia, menos o cidadão comum, que eram muitas as empresas, entre elas algumas multinacionais, que estavam a manter artificialmente a sua produção, que anunciavam dividendos que agora se confirma que não eram reais, etc. A ser confirmada esta hipótese é de esperar que a saída desta crise não traga, afinal , nada de novo. Quem estava à espera que o momento que estamos a viver pudesse servir para motivar uma reflexão sobre os caminhos trilhados pelo capitalismo nos últimos anos, desiluda-se. O que as ultimas notícias sobre os muitos fóruns nacionais e internacionais que se realizaram e outros tantos que estiveram anunciados mas que acabaram por ser cancelados deixam prever é que todo esse frenesim politico e diplomático mais não pretende do que deixar tudo como dantes: a matriz do sistema económico não será apenas mantida mas reforçada nos seus contornos mais agressivos; continuará a ser difundido o discurso dos benefícios inquestionáveis da competitividade, mesmo sem limites; enfim, com pequenos ajustamentos será, no essencial, mantida a lógica do comércio internacional. Mas afinal para que serve uma crise?